terça-feira, 5 de fevereiro de 2013

Fundamentalismo religioso



Como reagiríamos caso alguém nos chamasse de fundamentalistas por causa daquilo que cremos, ensinamos e confessamos? Poderíamos nos apressar para negar a validade de tal rótulo, visto que para muito, fundamentalismo religioso soa como intolerância, ignorância, cegueira intelectual, fanatismo, retrocesso, aversão à ciência, entre outros descritivos pouco recomendáveis para a nossa imagem religiosa. Estaria, portanto, justificada, a pressa para retirar de sobre nós qualquer suspeita de alguma ligação com algo que provoca arrepios de pavor, ou de repulsa, em muitos ao ouvirem fundamentalismo ou fundamentalista. Sem pestanejar, reagiríamos: Eu? Fundamentalista? Jamais!
Mas...acalmemo-nos pois não há razão para ações apressadas e inadequadas a fim de descrever nosso posicionamento diante daquelas duas perguntas. Se alguém nos rotular daquele jeito, a primeira coisa a fazer será, educadamente, perguntar: por quê? Depois de ouvida a razão, poderá até acontecer que o rótulo, em vez de parecer xingamento, ofensa ou algo que nos deprecie, tenha sido, na verdade, provocado pela reação de alguém que não concorde com o nosso posicionamento teológico ou doutrinário, pelo qual damos graças a Deus por nele crer e confessa-lo. Por exemplo, se ao confessar que creio que Jesus Cristo nasceu da virgem que o concebeu do Espírito Santo, for chamado de fundamentalista, direi: “Sim, se isso é fundamentalismo, estarei abraçado a ele até morrer”.
Historicamente, o fundamentalismo religioso protestante nasceu como reação ao assim chamado modernismo, que havia invadido o mundo protestante. Entre 1909 e 1915, foi publicada, nos Estados Unidos, uma série de textos com o título Os fundamentais – Um testemunho a favor da Verdade. Eram testemunhos de fé em verdades consideradas absolutas e inatacáveis, para não acompanhar aquele protestantismo que se aliava à ciência moderna, nascendo daí a interpretação de textos bíblicos, muitos (por exemplo, o relato da criação do mundo e do homem do livro do Gênesis).
Por fundamentalismo designa-se hoje qualquer espécie de conservadorismo, não só religioso, mas também político. Por isso, a abrangência do termo tem levado a um uso indiscriminado da palavra, e muitas vezes impreciso. Em nome do fundamentalismo, coisas muito distintas são colocadas na mesma sacola, como a confissão de convicções fundamentais relativas à revelação bíblica e a intolerância religiosa, que apela para o uso da força e da violência a fim de fazer prevalecer seus pontos de vista. Por isso, podemos também ser chamados de “fundamentalistas” em dado momento, por causa do que cremos e confessamos diante da revelação bíblica. Não temos qualquer problema se formos taxados de “fundamentalistas”, porque aceitamos a Bíblia como Palavra de Deus, infalível e único fundamento e norma de fé. Porém, jamais o seremos por advogar o uso da força e da violência para empreender algo como, por exemplo, um “guerra santa”.
Hermenêutica bíblica.
Mas, afinal, somos ou não fundamentalistas? Como saber? Pela forma de se posicionar diante das Escrituras Sagradas. Cremos que “toda a Escritura é inspirada por Deus” (2 Tm 3.16), no entanto, há maneiras de ler a Palavra revelada de Deus. Por isso, utilizamos algo chamado hermenêutica bíblica, que nos dá os princípiosmde interpretação dos textos bíblicos. Explicando : diante de um texto bíblico, não dizemos apenas “aqui está escrito tal e tal coisa”, dando a questão por encerrada sem maiores considerações. Não, nós fazemos muito mais do que isso.
Em que contexto oram ditas aquelas palavras? Como elas se relacionam com o contexto geral de toda a Bíblia? São palavras da Lei ou do Evangelho? Como interpretamos o que lá está escrito Pa luz da doutrina da justificação pela fé? Essas são algumas das relevantes questões que entram em cena na interpretação de um texto bíblico. Caso não adotarmos os princípios hermenêuticos, corremos o risco de pender para ensinos e afirmações que contrariam o que cremos e confessamos. Exemplificando, deixaremos de fazer muita coisa que fazemos no sábado, pois em Êxodo 20.10 se lê que no sábado “não farás nenhum trabalho”. É o emprego da hermenêutica que nos diferencia dos fundamentalistas, segundo nós os entendemos. Graças a ela, não corremos o risco de afirmar que quem não tem é porque merece não ter, pois Deus não quer, ou então “porque lhe falta fé”. Isso é uma conclusão equivocada, provavelmente, provocada por uma leitura fundamentalista da Escritura Sagrada.
Nós, fundamentalistas?
Com tranqüilidade podemos dizer: Não! Por isso, jamais seremos uma ameaça à sociedade; pelo contrário, temos diante de nós a oportunidade de sermos luz e sal em meio a uma sociedade que busca a verdade e , por não encontra-la, acha tudo “sem sal” e segue procurando numa corrupção cada vez mais destruidora. Afinal, a hermenêutica mostrará claramente como ser luz e sal. E, importante lembrar isto, luz e sal para trazer sempre benefícios para os outros, sejam eles quem forem, não importando também em que situação ou lugar estejam

Paulo Moisés Nerbas, professor do Seminário Concórdia e da ULBRA
Artigo originalmente publicado na Revista Mensageiro Luterano, em Novembro de 2010